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Carlos Nobre: ‘Não evoluímos para suportar o clima que estamos levando ao planeta’

09 de Agosto de 2024 / Geral

Janaina Capeletti/Secocrs

Referência mundial em estudos sobre mudanças climáticas, o cientista Carlos Nobre ministrou palestra que lotou o Salão de Atos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) na chuvosa noite desta quarta-feira (7). De antemão, quem se dispôs a participar do evento devia saber que as informações do cientista brasileiro, internacionalmente reconhecido pelo seu trabalho acadêmico sobre clima e aquecimento global, não seriam boas. Ao mesmo tempo, apenas o conhecimento da realidade pode fazer a humanidade mudar – ou agora amenizar – as graves consequências da mudança climática.

Durante cerca de uma hora de palestra, Nobre repassou os principais pontos do que tem acontecido com o planeta Terra devido ao aumento da temperatura causado pela emissão de gases do efeito estufa. Ondas de calor, enchentes, secas, tempestades, derretimento das calotas polares, morte das bancadas de corais e recifes foram alguns dos principais temas abordados pelo cientista.

A referência para as mudanças climáticas é a meta de aumento de 1,5ºC da temperatura da Terra acima dos níveis pré-industriais (1850-1900), estabelecida no Acordo de Paris, em 2015, durante a COP21. Quase 10 anos depois, a meta de 1,5ºC corre sério risco de não ser atingida. Por isso, projeções com o aumento da temperatura em 2ºC e até em 3ºC foram apresentadas pelo cientista.

“As mudanças climáticas recentes observadas são generalizadas, rápidas e intensificadas e sem precedentes em milhares de anos”, afirmou no evento organizado pelo mandato da deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL).

Houve também momentos dedicados exclusivamente à trágica enchente que varreu o Rio Grande do Sul em maio deste ano. Sobre o caso gaúcho, Nobre explicou em detalhes as razões que causaram a grande quantidade de chuvas que caiu no RS e destacou que existem fenômenos naturais realmente raros, mas a maioria deles existe há muito tempo. O ponto central é que esses fenômenos agora são cada vez mais frequentes.

“É isso que as mudanças climáticas fazem. Quase todos os fenômenos existem há milhões de anos, só que agora eles batem recorde”, ressaltou o cientista, atualmente membro do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) e copresidente do Painel Científico para a Amazônia.

Como ponto positivo da percepção da população sobre o problema, ele chamou atenção para a pesquisa Quaest realizada após a tragédia da enchente no RS, em que 64% dos entrevistados disseram que as mudanças climáticas têm relação total com as fortes chuvas que devastaram o estado gaúcho e apenas 1% acredita não haver relação alguma.

Um dos criadores do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), Nobre disse que o órgão tem expandido cálculos sobre a quantidade de brasileiros vivendo em áreas de risco. Ao citar determinadas regiões do RS fortemente atingidas pelas chuvas, o cientista destacou que determinadas localidades não poderão seguir sendo habitadas. “Milhões de brasileiros não podem continuar morando onde moram porque estão em áreas de risco.”

Ao ponderar que poucas cidades do Brasil têm sistemas de sirenes de alerta, o cientista enfatizou o papel que a educação precisa ter diante da nova realidade. Nesse sentido, criar a cultura para alertas de risco é uma necessidade urgente. Como exemplo, citou as crianças japonesas, educadas desde pequenas a saber como agir em caso de terremoto.

Fazer alertas é algo presente na vida de Nobre há décadas. Em 1991, ele já chamava a atenção para as mudanças climáticas e o risco do ponto de não retorno da Amazônia, bioma para o qual dedicou boa parte de sua carreira – o ponto de não retorno é quando a degradação da floresta atinge um nível em que sua recuperação não é mais possível.

“Vivemos no tempo da emergência climática”, definiu Nobre, integrante da equipe internacional de cientistas que recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2007. Na ocasião, junto com o ex-vice-presidente americano Al Gore, os pesquisadores do IPCC (painel da ONU sobre mudanças climáticas) foram premiados pelo papel de alertar sobre os riscos do aquecimento global e lutar pela preservação ambiental. Nobre participou de quatro relatórios do IPCC, o primeiro em 1990.

Calor que mata
O fenômeno das ondas de calor recebeu especial ênfase do cientista ao longo da palestra na UFRGS. O ano de 2023 foi o mais quente no Brasil e na Terra, com a temperatura média global próxima da superfície em 1,45ºC. Para piorar, o ano de 2024 segue pelo mesmo caminho. Em fevereiro deste ano, houve quatro dias de aumento da temperatura da Terra acima de 2ºC. E julho de 2024 marcou o 13º mês em que a temperatura global atingiu 1,5°C acima da temperatura pré-industrial.

A onda de calor é um fenômeno que acontece quando as temperaturas previstas ficam, pelo menos, 3°C acima da média histórica para o período do ano considerado. “A onda de calor eleva em mais de 50 vezes as mortes do que as chuvas”, ressaltou Nobre.

Entre 2000 e 2018, 48 mil mortes foram causadas no Brasil devido às ondas de calor. No verão europeu de 2022, 62 mil pessoas morreram por causa do fenômeno. Em maio de 2024, durante a peregrinação muçulmana à Meca, 1.301 morreram devido ao calor, quando os termômetros chegaram a registrar 51,8ºC. As principais vítimas, ressaltou o cientistas brasileiro, são os idosos, mais ainda as mulheres acima de 65 anos.

“Nós não evoluímos, como espécie, para suportar o clima que estamos levando ao planeta”, disse o cientista, que desenvolveu praticamente toda sua carreira no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), onde aposentou-se em 2012 como Pesquisador Titular nível III.

Negacionismo científico
Segundo a definição da Academia Brasileira de Letras, negacionismo é uma “atitude tendenciosa que consiste na recusa em aceitar a existência, a validade ou a verdade de algo, como eventos históricos ou fatos científicos, apesar das evidências ou argumentos que o comprovam”.

Além dos dados sobre a situação do aquecimento global e suas consequências, o cientista Carlos Nobre abordou também o negacionismo científico, cada vez mais latente em determinados grupos políticos e da sociedade. Entre os exemplos de negacionismo existentes no nosso dia-dia estão as pessoas antivacinas, os negacionistas pandêmicos e os terraplanistas, assim como os propagadores de fake news nas redes sociais que contestam as alterações climáticas.

“O negacionismo científico representa uma séria ameaça à nossa saúde, à sustentabilidade a longo prazo da civilização humana, assim como de nosso planeta. A relutância em considerar evidências empíricas e a negação da ciência é uma enorme barreira à produção de um conhecimento técnico sólido, a uma comunicação sobre ciência eficiente e, consequentemente, ao exercício pleno de uma cidadania pautada em informações embasadas e na responsabilidade e maturidade cívicas”, afirmou Nobre.

O aumento de períodos de frio vivenciados no Sul do Brasil tem sido usado pelos negacionistas do clima como exemplo da “mentira” do aquecimento global. Cientificamente, entretanto, Nobre explicou que tais períodos de frio são causados pelo derretimento da camada polar da Antártida, essa sim consequência do aquecimento global. O derretimento da camada polar deixa “escapar” o jato polar até alcançar maiores latitudes e avançar pelo sul da América do Sul, chegando até o Brasil. Se não houvesse o derretimento, esse jato polar ficaria preso apenas na Antártida.

Quase ao final da palestra, Carlos Nobre confessou sentir uma frustração pela geração dele não ter conseguido evitar o aumento da temperatura da Terra. E lembrou quando, em 1979, seu professor de doutorado já mostrava estudos sobre os riscos do aquecimento global. “A ciência já mostrava, mas minha geração não fez nada”, lamentou, para em seguida dizer que, agora, é preciso confiar na nova geração.

Fonte: Sul 21, por Luciano Velleda

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