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Trabalhador do futuro em debate nas empresas

14 de Maio de 2018 / Economia

Há alguns anos, a consultoria Deloitte construiu salas de videoconferência altamente tecnológicas em suas principais sedes ao redor do globo – inclusive São Paulo – por acreditar que o futuro seria um tempo em que praticamente não haveria reuniões presenciais.

A tecnologia usada na época continua inovadora. As salas têm telões enormes que dão aos participantes da reunião – ainda que estejam em continentes diferentes – a sensação de estarem em volta de uma mesma mesa, lado a lado.

Praticamente não há diferença entre o real e o virtual – e, ainda assim, o espaço não tem o protagonismo que se imaginou para ele. Mais que isso, as reuniões periódicas – e presenciais – entre os principais líderes da consultoria no mundo continuam acontecendo. Algumas vezes por ano, Altair Rossatto, CEO da Deloitte no Brasil, pega um avião para alguma parte do planeta para se reunir “olho no olho” com os colegas. “Às vezes você já tem a tecnologia disponível, mas há coisas que exigem um período maior de adaptação”, ele diz.

O exercício de pensar o futuro faz parte do dia a dia da maioria das empresas. Antecipar tendências é uma das estratégias das companhias para ganhar espaço no mercado ou mesmo para garantir sua sobrevivência no longo prazo. Muitas vezes, contudo, elas erram.

E hoje, diante das mudanças aceleradas da tecnologia e da chegada da “indústria 4.0” – em que as máquinas cada vez mais desempenham funções humanas -, as empresas estão perdidas quando olham para a frente, especialmente em relação aos seus funcionários.

Uma pesquisa da Deloitte feita com 1,6 mil presidentes de grandes companhias em 19 países – incluindo 102 no Brasil – e divulgada em abril mostrou que 86% dos CEOs acreditam estar fazendo “tudo o que podem” para criar uma força de trabalho para a “quarta revolução industrial”. Mesmo assim, apenas um quarto do total disse estar confiante de que seu quadro de funcionários tenha a composição e as habilidades necessárias para o futuro.

Os resultados aparentemente contraditórios, na avaliação da Deloitte, são um retrato do momento atual de inflexão, uma mistura entre “esperança e ambiguidade”. “No Brasil, mais de 90% das empresas entendem que estão fazendo o necessário para o treinamento atual das competências necessárias. Porém, elas não conseguem enxergar o que têm de fazer daqui pra frente. Essa mudança é o desafio”, pondera Ronaldo Fragoso, sócio da Deloitte e coordenador do estudo no país.

Um das dificuldades das empresas é prever o impacto da tecnologia sobre o empregoSe as empresas não sabem o que fazer, também não conversam sobre isso tanto quanto deveriam. O assunto “talentos e recursos humanos” ocupava o último lugar entre 12 tópicos discutidos com maior frequência, segundo a pesquisa, ressaltado por apenas 17% dos CEOs, logo atrás de “incomodar os concorrentes”, com 24%.

No Brasil, o porcentual é um pouco mais alto – 31% -, mas segue entre os assuntos menos discutidos na direção das empresas, ainda de acordo com a pesquisa.

O futuro das profissões

Uma das dificuldades das empresas é prever o impacto da tecnologia sobre o emprego, o que explica em parte os resultados. Dentro de 20 anos, quais ocupações continuarão existindo e quais serão desempenhadas pelas máquinas?

Há algumas décadas, os especialistas em ciência da computação perceberam que os computadores também eram capazes de aprender. Quando expostos a um volume grande de informações sobre um mesmo assunto, eles conseguiriam identificar padrões comuns e fazer previsões em cima de dados.

A aprendizagem automática (“machine learning”), a inteligência artificial e a internet das coisas (a conexão entre o mundo físico e a internet) darão forma ao futuro do trabalho, ainda que esses contornos estejam pouco definidos.

Um exemplo prático nesse sentido é o das “legal techs”, empresas de tecnologia voltadas para a área do Direito que usam supercomputadores capazes, por exemplo, de ler e interpretar contratos. Em 2016, a IBM deu um passo além e lançou o primeiro robô-advogado, batizado de Ross, contratado no mesmo ano pelo escritório da Baker&Hostetler, em Nova York.

A mesma plataforma de inteligência artificial da IBM que deu origem ao Ross, chamada Watson, vem também sendo “treinada” na área de saúde e há alguns anos tem se mostrado capaz de diagnosticar diversos tipos de câncer com a mesma precisão que os oncologistas.

Para William Maloney, economista-chefe do Banco Mundial para a área de Crescimento Equitativo, Finanças e Instituições, mudanças como essas sinalizam que o advogado e o médico continuarão existindo no futuro, mas seu trabalho será diferente. “A mudança maior vai ser nas tarefas, não nos empregos”, ele ressalta. O avanço da tecnologia tem criado uma demanda por novos serviços complementares a ela, pondera o economista, que vão mudar a cara de algumas profissões.

“As habilidades requeridas por esse novo mercado de trabalho serão cada vez mais complementares às funções desempenhadas pelas máquinas”, destaca. Isso já acontece, por exemplo, na filial brasileira de outra empresa de auditoria e consultoria, a EY, que vem usando um robô para fazer seu processo de faturamento.

Para aproximá-lo dos “colegas”, ele ganhou até nome, Billy, uma prática que tem ficado mais comum nas empresas que incorporam essas máquinas à equipe, conta Oliver Kamakura, sócio de consultoria em gestão de pessoas da EY. “Eles vão passar a ser nossos companheiros de trabalho.”

Choque de gerações

A inquietação das empresas em relação ao trabalhador do futuro é também reflexo da dificuldade que elas já sentem hoje para lidar com as gerações mais jovens, acrescenta Kamakura. “Existe uma percepção de que o perfil dos funcionários vem mudando, mas as empresas ainda têm dificuldade para ajustar seus modelos de negócio para atrair esses novos talentos”, diz ele.

Um exemplo prático é o da carreira tradicional – de trainee a gerente, uma jornada que dura pelo menos 15 anos -, ainda valorizada pelas grandes empresas, mas cada vez menos atraente para os mais jovens.

“Nós fizemos uma pesquisa nas Américas e verificamos que os ‘millennials’ querem ter experiências diversificadas pelo menos até os 38 anos. Como as empresas vão fazer frente a essas expectativas?”, questiona Kamakura.

Nesse cenário, as companhias tradicionais vêm perdendo espaço e relevância para empresas que há dez anos não existiam, e que funcionam com a lógica das empresas de tecnologia. “Elas erram mais rápido e aprendem mais rápido com os erros. Para as empresas ‘tradicionais’, as grandes mudanças são como dar um cavalo de pau em um transatlântico”.

Um futuro com menos empregos?

Os especialistas concordam que a tecnologia substituirá as funções repetitivas e tende a eliminar os empregos de baixa qualificação, mas discordam em relação ao impacto dessa mudança sobre as taxas de desemprego ao redor do mundo.

Nas economias mais desenvolvidas, a “quarta revolução industrial” já começa a criar uma polarização no mercado de trabalho, diz Maloney, do Banco Mundial, suprimindo as funções “do meio”, aquelas que não pagam os menores salários, mas também não englobam os empregos de alta qualificação. Um exemplo são as linhas de montagem nas indústrias.

Nos emergentes, como o Brasil, ele ressalva, esse redesenho ainda não é visível. São muitos os setores que ainda usam mão de obra de forma intensiva.

O problema nesses casos é que a mão-de-obra é pouco qualificada e, de forma geral, as iniciativas dos governos locais para aumentar os indicadores de educação têm sido pouco eficientes. Com um mercado de trabalho cada vez mais restrito para os menos qualificados, também há risco de aumento do desemprego. “Mas nós não sabemos em que velocidade isso pode acontecer.”

Há algo ainda mais grave: as economias menos desenvolvidas parecem estar perdendo uma chance importante de se beneficiar da “quarta revolução industrial”. “As empresas desses países deveriam estar adotando novas tecnologias e investindo agressivamente em pesquisa e desenvolvimento. Os governos não deveriam estar pensando em outra coisa. E não estamos vendo nenhuma das duas coisas”, destaca Maloney.

Essa é a principal característica do que o economista chama de “paradoxo da inovação”: o retorno dos investimentos em inovação são muito mais altos em países pobres e, no entanto, o esforço dessas nações para tirar proveito disso é muito pequeno. “Nós não completamos nem a terceira revolução industrial”, concorda Altair Rossato, da Deloitte, referindo-se à perda de competitividade e de produtividade da indústria brasileira nas últimas décadas.

Sem um esforço para consertar os problemas estruturais de suas economias e para elevar o investimento em inovação, países como o Brasil correm o risco de perder relevância na economia global.

‘Imposto dos robôs’

Nos países ricos, o impacto negativo da automatização sobre o nível de emprego é algo que já preocupa especialistas e governos. No ano passado, Bill Gates, cofundador da Microsoft, defendeu a criação de um imposto sobre a robotização do processo produtivo como forma de suavizar esses potenciais efeitos negativos.

“Hoje, a renda do operário que trabalha na fábrica é taxada. Se um robô desempenhar a mesma função, ele deveria ser taxado em um nível similar”, justificou.

Os recursos arrecadados, ele disse em entrevista na época, poderiam ser usados para financiar treinamento e desenvolvimento de ocupações em que o ser humano ainda é imprescindível, mas que são pouco incentivadas – cuidadores de idosos ou trabalhar com crianças nas escolas.

Também em 2017, o Parlamento Europeu chegou a discutir uma “robot tax” para financiar algum tipo de proteção social aos trabalhadores que perdessem o emprego para as máquinas. A medida proposta por Mady Delvaux, parlamentar de Luxemburgo, entretanto, foi rejeitada em fevereiro daquele ano. O assunto, contudo, continua sendo discutido na Comissão de Assuntos Legais da UE.

Fonte: UGT

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