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Tecnologia no setor bancário aumenta lucro, causa demissões e não reduz tarifa

18 de Agosto de 2017 / Geral

"Não somos contrários à tecnologia, mas ela não pode ficar a serviço apenas dos banqueiros", diz a presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Ivone Silva

Do Viomundo – A tecnologia avança vorazmente no setor financeiro.

Dados da Federação Nacional dos Bancos (Fenaban):

* Em 2016, 57% das transações financeiras no Brasil foram realizadas por meios digitais (celular e internet) e apenas 8% nas agências físicas.

* As transações com celular saltaram de 4,7 bilhões, em 2014, para 21,9 bilhões, em 2016. Ou seja, quintuplicaram.

* O mobile banking já representa um terço das transações bancárias. O número de contas correntes com essa ferramenta passou de 2 milhões, em 2011, para 42 milhões, em 2016.

* Em 2016, as transações bancárias com mobile banking somaram 21,9 bilhões; alta de 96% em relação a 2015.

Se para os clientes essas inovações tecnológicas facilitam a vida, para os bancários representam impacto profundo nas relações de trabalho. Algumas funções importantes do setor, como caixa e escriturário, estão perdendo espaço.

Resultado: o chamado desemprego tecnológico.

Daí esta entrevista com Ivone Silva, a nova presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região, eleita em abril de 2017.

Formada em Ciências Sociais, com MBA em Finanças, Ivone estava, desde 2014, à frente da secretaria geral do Sindicato, auxiliando na coordenação das campanhas nacionais unificadas dos bancários.

No dia a dia, cada vez mais as pessoas usam celular e internet nas transações bancárias. O avanço da tecnologia está afetando muito o setor financeiro no Brasil?

Diria que é um dos setores mais afetados, pois é o que mais investe. Estimamos que os bancos aplicam algo em torno de R$ 20 bilhões por ano em tecnologia.

Para você ter uma ideia desse avanço, há oito anos a internet respondia por 30% das transações bancárias, o celular sequer as fazia e a agência física era responsável por 18%.

Em 2016, o quadro já era o oposto, como mostram os dados da Fenaban: 57% das transações financeiras no Brasil se deram por meios digitais (celular e internet). Apenas 8% foram em agências físicas!

Quais são as inovações tecnológicas?

Por exemplo, a inteligência artificial, que são megacomputadores capazes de cruzar volumes de dados antes inimagináveis; a digitalização do atendimento aos clientes e das áreas de apoio; novos modelos de trabalho, como o Home office, que é o trabalho em casa, feito pelo bancário.

Como o sindicato acompanha essas mudanças?

Estamos atentos, atuando em diversas frentes para fazer com que essas transformações sejam realizadas com a participação dos trabalhadores e sua representação.

Por exemplo, mantemos um centro de pesquisa na nossa Faculdade 28 de Agosto, com o objetivo de estudar e gerar conhecimento sobre as transformações tecnológicas nos bancos e, com isso, fornecer subsídios para nossas ações.

Aliás, esse tema está se tornando cada vez mais relevante nas nossas negociações coletivas.

Em 2013, por exemplo, a categoria conquistou uma cláusula na Convenção Coletiva que proíbe que os gestores façam cobrança de metas e resultados por mensagens no telefone particular dos trabalhadores e trabalhadoras.

Na campanha de 2016, conquistamos a criação de um grupo de trabalho conjunto entre os bancários e a Fenaban para estudar e criar formas de realocar e requalificar os bancários afetados pelas transformações tecnológicas.

Esse tema ainda será debatido em cada banco. É uma oportunidade para o movimento sindical conseguir regular esse processo e minimizar os prejuízos para a categoria.

Apesar do alto investimento, esse avanço tecnológico representa menos custos para os bancos?

Sem dúvida. O setor financeiro é o mais rentável do Brasil. Aqui, os bancos aumentam, a cada mês, seus lucros bilionários.

E o investimento de R$ 20 bilhões por ano, que eu mencionei no início, só acontece porque os bancos vão reduzir seus custos com locação de imóveis, segurança, papéis, arquivos, luz, impressão e, principalmente, mão de obra.

Em sua apresentação institucional, o Bradesco, por exemplo, diz que o custo médio de uma transação no celular corresponde a apenas 3% do custo médio de uma transação nas agências.

Essa vantagem está sendo repassada para os bancários?

Não. E esse é o nosso principal questionamento.

Não somos contrários à tecnologia, mas ela não pode ficar a serviço apenas dos banqueiros.

Precisamos, sim, de transações seguras, com redução do valor das taxas e melhor serviço para a população. Mas precisamos também de melhores condições de trabalho para a categoria.

Outra questão relevante é que as novas tecnologias do setor financeiro não atingem a população mais pobre e aquela que vive longe dos centros urbanos, gerando ainda mais exclusão financeira.

Como a digitalização está influenciando nos postos de trabalho?

A estratégia dos bancos é ter o máximo de transações possíveis nos meios digitais e a automatização dos processos internos.

Entre 2012 e 2015, 78% dos postos de trabalho fechados nos bancos privados concentravam-se em apenas duas ocupações: caixa e escriturário, setores que estão perdendo espaço devido às novas tecnologias.

Entre janeiro de 2012 a abril de 2017, os bancos fecharam 44.830 postos de trabalho, o que equivale a uma redução de quase 10% da categoria.

E, aí, o problema: não vemos geração de emprego em outras áreas que possa compensar a redução devido às novas tecnologias.

Por isso, é preciso estudar esse processo e difundir para a categoria o conhecimento.

Isso vai criar condições para atuarmos estrategicamente, debatendo e negociando com os bancos formas de preservação do emprego, de realocação de trabalhadores atingidos por tais inovações.

Temos de pensar também na regulação das condições de trabalho no banco digital, seja junto ao Banco Central e poder legislativo. Essas novas tecnologias financeiras geram novos tipos de fraude e podem ferir o sigilo bancário e as normas de segurança previstas para as agências.

E na saúde dos bancários?

A ampliação da tecnologia bancária pode aumentar os casos de doenças mentais e ocupacionais.

Mudanças na jornada, intensidade do trabalho e nas competências exigidas também têm preocupado os bancários e o sindicato.

Por exemplo, nas chamadas agências digitais atende-se muito mais clientes por bancário do que nas agências tradicionais.

Isso pode gerar uma série de problemas de saúde na categoria, como já observamos nos últimos anos. Tivemos grande quantidade de afastamentos por transtornos mentais, como depressão e ansiedade.

Por isso, precisamos ter livre acesso a todos os locais de trabalho, inclusive agências digitais, para apurar informações e atuar diretamente em defesa dos direitos dos trabalhadores.

Considerando o aumento progressivo do uso de celular e internet na transações bancárias, como fazer greve hoje em dia?

Primeiro, a greve é um instrumento legítimo de pressão dos trabalhadores. Segundo, de fato, a nova onda tecnológica no setor financeiro coloca a necessidade de repensarmos estratégias.

Por conta disso, os sindicatos já têm modificado sua atuação, seja através da ampliação de sua relação com a categoria por meio de redes sociais, ou com estratégias de paralisação focadas cada vez mais nos centros administrativos e centros tecnológicos das instituições financeiras.

Mesmo com essas mudanças, as campanhas salariais da categoria bancária nos últimos anos têm sido vitoriosas, com ganhos reais de salário, elevação em outros benefícios e conquistas de cláusulas sociais.

E a crescente presença dos correspondentes bancários na prestação de serviços?

Inicialmente eles foram imaginados como alternativa de atendimento em localidades onde não havia agências bancárias.

Ao longo do tempo, o seu propósito foi sendo modificado. Hoje, há milhares de correspondentes bancários nos grandes centros.

Mais um exemplo do modus operandi dos bancos em que apenas eles se beneficiam. para reduzir custos, já que os trabalhadores desses estabelecimentos em geral são comerciários com salário próximo ao mínimo e jornada de 44 horas semanais.

Fazem o mesmo trabalho dos bancários, mas não têm os mesmos direitos porque não fazem parte da nossa Convenção Coletiva de Trabalho (CCT).

Além disso, os estabelecimentos que prestam esses serviços não têm as obrigações de segurança previstas para as agências bancárias.

Portanto, os bancos, através dos correspondentes colocam em risco a vida de clientes e trabalhadores.

Qual a expectativa para os próximos anos?

Há uma ligação entre as inovações tecnológicas e a reforma trabalhista, já que, muitas vezes, a implementação de novos modelos de trabalho esbarrava na proteção da legislação.

Esse era um entrave que os bancos queriam resolver. E teoricamente, conseguiram. Com o home office, por exemplo, o bancário faz o seu trabalho em casa.

Pois bem, a reforma trabalhista eliminou essa modalidade das normas de controle de jornada de trabalho. Assim, jogou para o trabalhador a responsabilidade por questões de saúde e segurança do trabalho.

Não tenho dúvida de que o motivo de tudo isso é a precarização das relações de trabalho.

Mas vamos manter nossa luta. Os trabalhadores sempre tiveram de se mobilizar para conquistar seus direitos e isso não vai mudar.

Na campanha do ano passado o nosso lema foi: “Só a luta te garante”. E é isso que temos de fazer.

A propósito. Na semana passada, entregamos à Fenaban um termo de compromisso para evitar o desmonte trabalhista.

Queremos a manutenção das conquistas históricas da nossa categoria. Afinal, do jeito que a tecnologia vem sendo implementada acabará gerando maior desigualdade social.

Fonte: Conceição Lemes, no Viomundo

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